Não tenho nenhuma dúvida que o homem é um ser em relação: consigo mesmo, com os outros e com o mundo, tendo valor significativo a natureza. Só existimos como “pessoa” (o digno de ser), quando nos relacionamos com “outra pessoa”. O que nos torna homem ou mulher, com comportamento característico do gênero masculino ou feminino, não é o tipo de genitália e sim a relação que estabelecemos respectivamente com uma mulher ou um homem. Para ser pai, é fundamental a existência dos filhos. Não existe professor sem o ato de facilitar o aprendizado do aluno, a verdade é que sem aluno não existe a função característica do professor. Não existindo o cliente (o consumidor) não há necessidade do produto e do serviço para serem vendidos. “Os componentes da sociedade não são os seres humanos, mas, as relações que existe entre eles” – Arnold Toynbee.
É impossível ignorarmos as significativas mudanças que estão ocorrendo nas relações entre os humanos. Se a atração entre homem e mulher era forte e predominava no século passado, hoje é de mesma qualidade e intensidade a atração entre as pessoas, independente do sexo. Estudiosos do comportamento do gênero humano, revelam que até o final deste século, a maioria dos seres humanos terão comportamento bissexual. “Antes de sermos seres humanos da sociedade, o somos da natureza” – Marquês de Sade.
O ser humano busca a realização do prazer em todos os seus atos. Este prazer pode ser originado por diferentes fontes e processos, tanto material como espiritual. Somos apenas aprendizes do desejo. Mais importante do que julgarmos o comportamento do ser humano e fazermos comparações, é primeiro entendermos que essas mudanças direcionam os interesses e necessidades das pessoas, permitindo ás vezes e obrigando em outras, que façamos as nossas escolhas segundo orientações comportamentais influenciadas pelas ações hormonais, culturais, religiosas, profissionais, etc. “ A natureza propicia o prazer, o homem procura exacerbá-lo”.
Anteriormente, as ações das pessoas eram estabelecidas procurando valorizar o outro em benefício da sociedade; o grande destinatário era o bem estar da família, o sacrifício não era inútil. O foco era a realização da célula da sociedade (a família) e o grupo de amigos que mudavam conforme as diferentes fases da vida. Havia preocupação e incentivo com o processo de humanização. “A cultura histórica tem o objetivo de manter viva a consciência que a sociedade humana tem do próprio passado, ou melhor, do seu presente, ou melhor, de si mesma” – Benedetto Croce.
Para mim, o “gap” histórico foi quando procuramos desenvolver ações em busca apenas da própria satisfação, cujo lema é: eu estando bem, pouco importa o outro. Deixamos de valorizar o outro, os animais foram humanizados e as pessoas instrumentalizadas, servindo elas apenas como coisas para as nossas realizações. O individual é mais importante do que o coletivo. Os fins justificam os meios. O foco hoje é o indivíduo, não mais a família e a rede de amigos. – “Se Deus criou as pessoas para amar, e as coisas para cuidar. Por que amamos as coisas e usamos as pessoas? ” – Bob Marley.
Revelei que na minha infância, adolescência e fase de adulto, o universo tinha alma feminina, caracterizado pela necessidade de escolha em benefício da composição familiar e sua organização, priorizando a manutenção da família. Homens e mulheres estavam comprometidos nas suas escolhas determinados por um olhar voltado aos interesses da família. Quantas amantes existiram que colaboraram, inconscientemente ou não, para a manutenção de uma família? Dizem que o marido ou a mulher são os últimos a saberem; sobreviveram em harmonia os casais que nunca souberam. Era gostoso o jogo na busca daquela ou daquele que seria nossa(o) companheira(o) e mãe ou pai dos nossos filhos; e de mãos dadas esperaríamos a vinda dos netos. Envelhecermos juntos era o nosso grande ideal. Essa era a situação que imaginávamos de compleição. Era o encaixe do côncavo e o convexo; do encontro do pênis com a vagina. As vivências sexuais existentes e até bizarras eram motivo de vergonha e eram realizadas na “calada” da noite ou do dia. “O prazer do sexo está acima de qualquer vício” – Narceja.
A alma do nosso universo vem se transformando, gradativamente e consistentemente, está sendo substituída por uma alma “gay” (contente, alegre), que imprime ao universo a caracterização pela busca constante do prazer. As relações são compostas por pessoas com orientações afetivas e amorosas, de interesses homo, bi e heterossexuais. Hoje, realizam-se com mais freqüência os procedimentos que possam oferecer as diferentes formas de se obter prazer sexual, quer seja oral, anal, virtual, com acessórios, fantasias e até formal. É a busca pelo prazer imediato, com pouco investimento emocional e sem grandes sacrifícios. Talvez nos assustemos com o número significativo de eventos imorais ou amorais, movidos por um crescimento pouco delimitado, nesta sociedade do efêmero e de interesses transitórios. Será por simples transformação de valores e mudanças de princípios, ou o responsável é a transparência dos fatos? Está consumado, independente das sugestivas comparações entre os diferentes comportamentos das pessoas nos diferentes períodos da existência da nossa espécie. O importante é termos conhecimento que nós humanos não somos mais os mesmos; nosso entendimento, sensações e necessidades são diferentes no decorrer do tempo e transformam-se no processo da vida. Esta é a realidade. “O tempo não envelhece, apenas leva consigo relatos do passado para uma sociedade inovadora” – Shirlene Vieira.
O interessante é que mesmo na formação de relacionamentos com pessoas do mesmo sexo existe um resquício de registro histórico, há uma memória nostálgica do modelo anterior no que se refere á existência de uma família. Companheiros do mesmo sexo buscam a adoção de crianças para exercerem a função de filhos na paisagem doméstica e eles poderem representar a figura paterna ou materna, dentro de uniões legais. E, outras vezes dois “casais” de amigos homossexuais, de sexos diferentes, um dos membros de cada “casal” assumem por meios naturais ou artificiais a paternidade e maternidade, garantindo a concepção, a gestação e criação dessa criança. O pré-conceito é um sentimento sempre presente na vida dos humanos. Com dificuldades e manifestações organizadas pelos diferentes grupos sociais envolvidos nesta transformação é significativa a aceitação nos diferentes setores dos órgãos oficiais, que reconhecem a união estável e casamento entre homossexuais, inclusive com a adoção de crianças. O ser humano reage negativamente á toda mudança, a aceitação ocorre lentamente, é um processo. “Quando você pensa que conhece alguma coisa, tem que olhar de outra forma. Mesmo que pareça bobo ou errado, você deve tentar!” – Sociedade dos poetas mortos.
Observamos que a liberdade de escolha na formação de família com parceiros de sexos diferentes ou do mesmo sexo, não favorece a liberdade de exercício nos papéis que cada um deve assumir na sociedade. Deveremos sempre e em qualquer situação, desempenharmos papéis, vestindo máscaras e armando jogos. Conflitos sempre existirão. A busca da sensação de nos sentirmos completos, existiu, existe e existirá sempre, pois inegavelmente, como dizia Sócrates “o homem é um ser eternamente insatisfeito”. “A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” – Paulo Freire.
Para entendermos como se expressava o homem de ontem, o faço com um texto para reflexão, pois revela o sentimento de um homem por uma mulher. Costumava dizer que na relação homem e mulher quem amava era o homem e a mulher era a amada. Esta conclusão realizou-se após observações constantes e resultados confirmados através das necessidades básicas de alguns homens e algumas mulheres. Confidenciavam os homens aos amigos mais próximos a necessidade que eles tinham de encontrarem uma mulher para amar, e, mulheres que emocionadas diziam às amigas que gostariam de encontrar um homem que as fizesse sentirem-se amadas. Há controvérsias: “Na vida do homem, o amor é uma coisa a parte, na vida da mulher, é para toda a vida” – Lord Byron.
Em função do meu tempo de vida (confesso que vivi/ plagiando o Poeta do Amor “Pablo Neruda”), vou procurar apresentar o meu entendimento sobre a vocação e o sentimentalismo do homem da minha geração, que com um comportamento mesmo que velado de alguns, procurava ser o sonho e o ideal colimado de todos. E posteriormente em outro artigo, sobre os interesses dos homens contemporâneos. Como eram e como são? O que mudou e por que? “Uma vida não questionada não vale a pena ser vivida” – Platão.
É bom lembrarmos que não existem formas certas de relacionamentos, com critérios pré-estabelecidos. A vida é um processo que envolve pessoas diferentes. O fundamental, independente da configuração desta relação, que ela seja construída com valores, princípios e sentimentos que envolvem: compreensão, respeito e amor (o que implicam em tolerância, sinceridade, etc.). A estratégia mágica para a conquista do sucesso, do viver em harmonia, é um colocar-se sempre no lugar do outro, diante da forma de conduzir o relacionamento e na escolha das atitudes.
Quero revelar que o amor dos homens da minha geração era construído primeiro no imaginário, e, depois procurávamos ansiosamente alguém para ser a personagem que seria a amada, para quem timidamente levaríamos flores e arriscaríamos algumas frases de efeito romântico, mesmo que ensaiadas. A poesia que entreguei para a minha primeira namorada foi um amigo de escola que a escreveu, eu presunçosamente e realizado a entreguei. Como disse o carteiro Mario Rúpulo no filme “O carteiro e o poeta” quando foi descoberto que havia plagiado frases do poeta Pablo Neruda para entregar para Beatrice, a sua amada: a poesia não é de quem escreve e sim de quem a necessita.
Vou dar o nome genérico de Tarsila (do Amaral, o grande amor de Oswald de Andrade), como se fosse o nome da amada idealizada pelo homem da minha geração. Era assim que nós sentíamos, mesmo que nem sempre conseguíamos nos expressar:
ODE AO AMOR
Tarsila, minha Tarsila querida! Coração do meu corpo, pulmão da minha alma. Tu és origem e único motivo da minha inspiração. Que é feito de ti, de mim, da nossa vida e desta saudade?
Tarsila, minha Tarsila querida! Na angústia revelada pela tua ausência, restou a tristeza cotidiana do medo do adeus, da sua partida. Que é feito de mim, da distância, da necessidade em te ver e do tempo?
O verdadeiro amor me chamou, eu o segui . Nosso caminho é difícil, lutarei mesmo sem saber o fim. Meu coração me falou, não perguntei, acreditei. O medo dispersou meus sonhos, mesmo assim sonhei.
É estranho este sentimento por você, que exalta e escraviza. Nunca pensei que poderia dirigir este amor. Mas, por ser ele digno, permito que me conduza. Ele só deseja uma coisa: consumir-se!
Como te amo de verdade, meu desejo é despertar de manhã sonhando em tê-la; antes de adormecer experimentar um sentimento de carinho pela mulher amada; e, no delicioso momento da nossa música, com desejo no corpo e nos lábios, não quero te dizer nada, apenas permitir você sentir todo o meu amor.
Querida Tarsila, somos a chegada e a partida; o encontro e a despedida. Metade de mim é prazer e a outra metade é saudades. Temos sido várias pessoas em diferentes momentos. Em outros um só: desejo. Pedaço de mim te pertence; no pedaço de ti me enlaço.
Tarsila, minha Tarsila querida! Sou enlevo da tua alma, sou feliz no teu abraço. Toda vez que fechas os olhos, feliz adormeço. Teu colo é meu gueto. Metade de mim é amor por você; a outra metade, também.
Considerações:
- Acredito que influenciado pelo cinema, o ideal dos tempos idos era vivermos uma história de amor e sermos amigos dos amigos. E hoje? -Onde perdemos o bonde da história? Por que? - Em que espelho se apagou o rosto de quem sonhava e desistiu da realização dos seus sonhos? - A maioria das pessoas está disponível para ter um caso de amor, mas, nem sempre para amarem. – Quem são os responsáveis por esse “gap” (buraco/ vazio/ vácuo/ perda de continuidade)? - O novo sempre vem? Como aceitar? – Se nos realizamos no outro, que valor temos atribuído á ele? - O sentido das nossas vidas era promovermos o bem estar das pessoas que formavam a família; qual será o de hoje? Pelo menos qual é o de cada um? - As crianças que nascem para exercerem as funções de filhos, são objeto de desejo dos que querem exercer as funções de pais. As outras crianças são produtos do acaso; o que mais desejam é que alguém as acolha como filhos. Na sociedade não faltam filhos, faltam pais.
- Assim caminha a humanidade!
domingo, 30 de maio de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Caro Sérgio,
ResponderExcluirtexto profundo,entremeado de fina filosofia.Uma constatação sobre as mudanças nas relações interpessoais.Parabéns!
Um grande abraço.
Geraldo Barbosa
Caro e querido amigo Geraldo Barbosa
ResponderExcluirobrigado por suas palavras, sempre gentíl.
Parabéns pela importância do seu trabalho
abraço
mingrone