O que mais me atrai na ciência do comportamento humano, muito mais do que a possibilidade, é a necessidade da pluralidade de pensamentos. Por não ser uma ciência exata sempre será possível termos opiniões diferentes dos outros e mudarmos as nossas. Essa é uma das grandes riquezas da vida. Uma opinião diferente deve ser manifestada com argumentos conscientes e até provocativos, sem discordar pelo simples prazer da contenda e da polêmica. Algumas pessoas têm a necessidade de se revelarem diferentes, assumindo a posição do contrário independente da ocorrência do tipo de evento. É muito bom observarmos as mesmas coisas com um olhar diferente. É isto que mais procuro fazer na minha atual fase, pois, a velhice proporcionou-me expressivos e valorizados ganhos, como visitar o meu passado com um olhar futurista conquistado na realidade presente. Podemos mudar de opinião tantas vezes quanto necessário em busca de um aprimoramento que se caracteriza com a compreensão e aceitação. Nestas mudanças obtidas como conseqüência da nova forma de olharmos o mesmo fato, revela-se a magnitude da importância da reflexão em busca do melhor entendimento desse fato e não na obtenção egoísta de acharmos que detemos a razão sobre o fato. Não é possível alguém possuir a razão dos fatos, pois as ações e sensações são diferentes entre as pessoas; inclusive os nossos diferentes entendimentos que variam substancialmente diante de uma nova situação e com o decorrer do tempo. O que não pode mudar são os princípios. Há um provérbio italiano que diz que a razão foi feita para os bobos. Portanto, podemos nos posicionar com considerações diferentes das outras pessoas, pois, sempre existirá a possibilidade de termos opiniões diferentes e mudarmos a nossa opinião, pois as considerações e conclusões são ocasionais e temporais. É justamente esta diferença de opinião e revelação de sensações que nos aprimora. A vida é visionária, difícil de provar as coisas em que acreditamos.
Este assunto caracteriza a tríade conseqüente da vida: o pensar, o agir e o sentir. É impossível termos um entendimento padronizado entre as pessoas, com diferentes culturas, histórias e vivendo em épocas diferentes conforme faixa etária. Há como decorrência natural um “choque” de entendimento, tolerância, aceitação, respeito por valores, interesses, etc.
Devemos considerar que a vida do ser humano, movida pelos seus desejos e necessidades, não é linear, impossível de ser sempre a mesma. A adaptação é condição impositiva, podemos até resistir, mas, haverá maior sofrimento na relação custo x benefício.
Há tempos as relações eram estabelecidas priorizando a família, e, esta era o nosso principal grupo social. Tudo girava em torno da família. Mais importante do que termos atendido as realizações pessoais (afetivas, amorosas, sexuais) era correspondermos positivamente aos valores determinados pelo patriarca ou pela matriarca e, herdados pela organização familiar para a manutenção desta instituição. Nossas atitudes deveriam ser conduzidas e enlevadas pelo compromisso de não envergonharmos a família; “roupa suja” só podia ser “lavada” em casa. Muito mais do que nossas mentiras, o ser humano sempre teve medo que as suas verdades fossem descobertas. Viver em família para a manutenção aparente da harmonia organizacional era bom porque nos sentíamos protegidos e era ruim porque nos mantinham reféns. Éramos adestrados, pois, não tínhamos a liberdade de pensamento, de ações e de sentirmos nossos próprios prazeres. Os mais velhos escolhiam o nosso nome, o número de irmãos que deveríamos ter, a escola que iríamos freqüentar, a religião para congregarmos com seus rituais característicos, time de futebol para torcer, quem podia ou não ser nossos amigos, influenciavam na escolha da profissão e algumas famílias determinavam com quem iríamos casar e organizar a nossa nova tribo, gerenciada pela matrona e/ou cacique. A vida assemelha-se a uma expressão filosófica registrada no pára-choque de caminhão: ”está ruim, mas está bom”. Uma amiga me confidenciou que o melhor lugar para a família estar é no porta-retrato. Costumo dizer que a família é composta pelo casal e os filhos solteiros; pois, os casados devem constituir sua própria família, é assim em todo reino animal. Até quando devemos viver unidos por cordões imaginários, umbilicais ou não?
O melhor deste artigo dedico ao amigo Antonio Stocco que permitiu ter um olhar diferente, mais real, nas diferentes relações. Não perdemos o bonde da história, estamos em outro bonde. O “gap” existente entre os diferentes modelos de relacionamentos é traduzido pela mudança de interesses e necessidades na busca do desejo nas novas relações.
Se viver em família era bom, mas para algumas pessoas foi ruim; viver no novo modelo pode ser ruim para algumas pessoas, mas, poderá ser bom para outras. Quem determina a melhor forma para vivermos e garantir o bem-estar das pessoas é a própria pessoa. Devemos experimentar para melhor escolher; o conceito estabelecido considerando apenas o “eu acho”, pode ser enganador. Não há modelo de relacionamento exclusivo e nem o ideal concebido. A vida é caracterizada por uma busca, com acertos, erros e ajustes. Porque procuramos mudar os modelos de relacionamentos? Procuramos mudar o modelo porque o anterior não nos interessava mais ou porque queremos experimentar outras formas de relacionamento? Posso apenas oferecer o meu depoimento, confesso que vivi bem. Encontrei meus meios de manifestar minhas rebeldias no sistema familiar e constitui uma família que certamente tendo muitas dificuldades e frustrações, lembro com carinho de nossas realizações e momentos de intensos prazeres. Fosse me ofertada uma nova oportunidade, gostaria de manter o mesmo modelo com as mesmas pessoas, apenas eu seria mais tolerante, me dedicaria mais à minha família. Esposa e filhos constituíram com meus alunos o grande sentido para minha vida, plena de prazeres pelos desejos colimados e realizados. Tenho uma rica história que me proporciona uma significativa vida interior, e, quem a tem não padece de solidão.
Os membros de uma família deveriam buscar o bem estar e manutenção da família e como conseqüência as pessoas que a compunham poderiam beneficiar-se deste sucesso, financeiro e emocional. O que estamos buscando hoje? Qual é o desenho da vida? Como serão as manifestações? Somos aprendizes do desejo e buscamos atender nossas necessidades? O que desejamos e como consegui-lo?
As pessoas buscam o que não têm ou acreditam não ter. Ninguém busca o que já tem ou acredita ter. Hoje, o ser humano deseja uma relação compatível com um modelo universal caracterizado pela individualidade; sem perder valores herdados como a compreensão e o respeito pelas suas escolhas. Quer ele se relacionar com diferentes “tribos”, de forma alegre e obtendo o prazer de estar junto com a sua “turma”, mas, sem uma relação de dependência; livre, onde cada um é no máximo responsável por si mesmo; não sendo mais responsável pelo bem estar do outro e nem o culpando pela própria insatisfação.
No final da década de 80 e início da de 90 era diretor de uma universidade, escrevia artigos técnicos e sobre comportamento humano para a revista institucional. Lembro de um que dizia: “há séculos as pessoas buscam a outra metade da laranja (dizia-se que Deus fez a tampa e a panela e deveríamos procurar os correspondentes). Se alguém busca a outra metade para sentir-se completo é porque não se sente inteiro. A outra metade tem a obrigação de completá-lo. Caso isto não se realize, a culpa é evidentemente da outra metade. Que responsabilidade do outro! Precisa ser o provedor de realizações que não são claras e nem sempre reveladas. São quase sempre subjetivas, e, sempre temporais e ocasionais. As pessoas que assim pensam correm o risco de experimentarem várias relações sem se realizarem plenamente; troca-se de companheiros toda vez que estiverem insatisfeitos. As pessoas devem sentir-se inteiras, terem a clara noção que são as únicas responsáveis pela suas escolhas e promotores das suas realizações para sentirem-se completas. A outra pessoa é o meio com quem nos realizamos, e, cada um deve ser o facilitador da realização do outro. Devemos nos poupar e poupar os outros da condição de remédio para a resolução das satisfações e necessidades. O prazer é para ser sentido por todas as pessoas que compõem a “tribo”, o grupo social, e, não apenas por alguns em detrimento de outros”.
O modelo de relacionamento onde um entende que é atribuição do outro a responsabilidade em promover o prazer, de preferência o tempo todo, é que não queremos mais reproduzir. Hollywood com seu cinema influenciou o surgimento de um romantismo que possibilitou formarmos uma idéia equivocada sobre a felicidade. Seriamos felizes apenas com determinada pessoa, ela era o nosso remédio, era a solução na busca do nosso prazer. E, ela deveria alegremente realizar esta altruísta função. No final do século passado e início deste século, esta condição começa a desaparecer. Anteriormente, as mulheres foram obrigadas a realizarem muitas concessões. Hoje, não desejam mais perpetuarem a condição da necessidade de sublimarem os seus desejos em benefício de uma sociedade androcentrica, onde o foco da valorização é exclusivo dos homens.
Mesmo adorando cinema, afirmo que alguns filmes mentiram, nos enganaram também; fazendo-nos acreditar que fumar era um prazer sensual e conferia “status”; e que as histórias humanas acabariam com um final feliz.
O amor romântico está fadado à extinção. A ordem é o amor racional, o amor que contempla a parceria. A realidade revela que somos genuinamente aprendizes do desejo. As atuais relações buscam atender as necessidades dos parceiros, homens e mulheres. O aprimoramento da relação é atingirmos a meta de que devemos nos sentir bem com a companhia e por isso a desejamos, inclusive fazendo o possível para estarmos juntos; porém, devemos aprender a ficarmos bem mesmo sem companhia. Estar em companhia não é o único fundamento. Devemos aprender a vivermos sós, sem nos desesperarmos. Havia um dístico popular que dizia: “é melhor estar só do que mal acompanhado”. Isto parece não ser sincero ou real para algumas pessoas, pois, havia também canções que afirmavam: é melhor brigarmos juntos do que vivermos separados (cantada por Jamelão); Erasmo Carlos também cantou que é melhor estar mal acompanhado do que só.
Gradativamente as pessoas estão perdendo o pavor da solidão (que significa estar só e não abandonado). Viver sozinho passou a ser uma opção, antes era uma fatalidade. Estar só não é mais feio e nem motivo de piedade. As pessoas estão aprendendo a viver só, e vão descobrindo as vantagens. É preciso considerar que a tecnologia tem sido uma aliada importante nesta transformação. Antes éramos uma fração de pessoa, no máximo a metade, agora estamos descobrindo e desenvolvendo os meios que nos possibilitam sentirmos inteiros. Quais serão os recursos e estratégias? Antes um deveria servir de remédio na vida do outro; agora, exige-se apenas que sejamos bons companheiros; construindo uma parceria que sonha e corre o risco de viver seus sonhos.
Anteriormente as pessoas idealizavam os seus pares e havia a expectativa que eles iriam realizar espetacularmente os seus papéis. Toda vez que o ser humano sente-se insatisfeito ele procura mudar a realidade, orgânica e emocionalmente. Registros históricos revelam as mudanças emocionais e sociais que as pessoas provocam no modelo de relacionamentos, consigo mesmo, com os outros e com o mundo. O homem está recriando uma nova maneira de existir. Está se reciclando. Agora temos a necessidade de realizarmos importantes ajustes de em busca do desejo do bem-existir. Precisamos nos adaptar no mundo que projetamos, ativa ou passivamente, conscientemente ou não. Para mim tem sido um pouco difícil delimitar as ações que caracterizam este novo modelo de relacionamento. O que é que caracteriza uma forma individualizada de viver, e, o que é egoísmo? Os desejos transformam-se em necessidades que implicam em ações e sugerem mudanças. É preciso termos sensibilidade para o conhecimento desta nova forma de viver. Ela exige, como em qualquer situação, um planejamento consciente e a construção de estratégias coerentes que possibilitem as conquistas desejadas.
O amor de hoje é mais racional do que passional, é a união de dois inteiros e não mais de duas frações de metades. Os envolvidos no relacionamento necessitam trabalhar as suas individualidades, precisam saber promover as suas satisfações, saber realizar as suas escolhas e saber lidar com suas frustrações. Não podemos responsabilizar o outro pelos nossos equívocos que nos levam aos transtornos da insatisfação. Somos os principais responsáveis pelas nossas conquistas e fracassos. Somos os agentes das nossas vidas. Nas relações atuais não existe mais a figura de quem está destinado a ser o condutor ou o passageiro do veículo da vida; poderá até existir circunstancialmente. Experimentamos uma sensação de significativo prazer quando nos libertamos da necessidade fundamentalista de uma companhia, principalmente daqueles que nos obrigam a realizarmos concessões de alto custo emocional. É saudável para qualquer tipo de relação saber ser companheiro de si mesmo e gostar da sua companhia. A própria é a única companhia presente em todos os momentos e que não podemos permitir que nos abandone.
Conclusão:
Nos dias de hoje quanto mais estivermos preparados para vivermos sozinho, mais preparados estaremos para vivermos com os outros uma relação afetiva, amorosa e sexual.
As relações mais duradouras e realizadoras são as construídas por afinidades e não apenas por atração. A afinidade, diferente da atração que um dia termina, permite um entendimento facilitador na construção de uma relação de sucesso, um valorizando o outro e permitindo que todos se realizem. Isto não significa “une vie en rose”, uma vida sem problemas e dificuldades, apenas que serão mais facilmente superadas.
Melhor do que sermos namorados, esposos, e, ao que chamamos de amigos (amigo não é aquele que se debruça piedosamente diante das nossas dificuldades, mas, aquele que tem coragem de aplaudir o nosso sucesso) é estabelecermos uma parceria nas relações.
Considerações;
- A solidão pode ser uma coisa boa. Não é mais considerada feia. Pode ser útil e trazer dignidade. - As boas relações, construídas com compreensão e respeito, são muito parecidas com o ficar só. Um não exige nada que o outro não queira fazer. Os dois crescem e se realizam. – Relações onde um domina o outro sem este desejar e permitir, é uma condição indesejada. – As concessões podem existir, desde que conscientemente realizadas. – Nosso cérebro, onde se processam as ações e sentimentos, é único. Portanto fica difícil a comparação; e, o julgamento é uma prática que deve ser evitada. Buscar sempre motivos para a compreensão. – Com relação à existência da “alma gêmea”, na verdade, devido a ocorrer algumas afinidades significativas, passamos criar no nosso imaginário esta pessoa ao nosso jeito, gosto e interesse. – Ás vezes é importante ficarmos sós para podermos estabelecer um diálogo íntimo, possibilitando descobrirmos nossas forças latentes. A solidão é reveladora para entendermos que o harmonizar-se em busca da “paz de espírito” tão desejada, só é possível de ser construída e encontrada no interior de cada um e não a partir do outro. – A solidão favorece o exercício em sermos menos críticos e mais compreensivos, quanto ás diferenças entre as pessoas, respeitando as escolhas pessoais que traduzem a maneira de ser de cada um. – As relações afetivas, amorosas e sexuais, entre as pessoas que se sentem inteiras é mais saudável e profícua. Conduz ao desejo constante do aconchego. Sente-se o prazer especial da companhia e principalmente, o valor traduzido em respeito pelo ser amado. – O inicio do processo é o difícil exercício de procurarmos incessantemente entendermos e perdoarmos a nós mesmos. Assim, ficará mais fácil entendermos e perdoarmos os outros.
“Viver bem é o principal desejo das pessoas. Não é um fim a ser conquistado; depende de um conjunto de meios para ser construído, e, por isso estabeleceas relações. Na vida temos duas opções: viver bem ou simplesmente existir”.
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